A ideia de ir para Moscou era antiga. Apaixonada por história viva, queria entender mais sobre aquela tal Guerra Fria, esse socialismo Zzzzzzz. Já tinha passado por Berlim no ano passado. O projeto russo de férias virou cobertura de eleições, e parti para a capital soviética do planeta.
Viver dois dias de fotossíntese, não conseguir comprar água sem gás e lidar com um café da manhã com alface, tomate, pepino, linguiça e gemada não foi fácil. Viver num país com neve, sem entender o que estava escrito nas placas e sem me comunicar ou entender o que qualquer pessoa falava foi complicado. Nos momentos profissionais, a intérprete estava ali para ajudar. Mas descobrir a cidade e tentar entendê-la era como tatear no escuro.
A Catedral de São Basílio parece feita de jujuba de tão colorida e doce. O Kremlin, ao lado, é intocável. Lamentei não ter visto o Lenin embalsamado – era tipo objetivo de vida para mim. O mercado soviético tem uma loja da Tiffany & Co., e o Mc Donalds na Praça Vermelha é o tapa na cara do socialismo. O dolorido mesmo foi andar pela cidade, ter a consciência de que estava vendo coisas históricas (estátuas, praças, lugares importantes nesse passado) e não ter a menor noção de como processar isso em português tirando por guias de turismo do tipo “socialismo for dummies”. Nos tais metrôs “bunkers”, escadas rolantes de mais de dois minutos de trajeto levavam às estações-salões-de-festa com lustres maravilhosos e estátuas imponentes. O problema era a identificação de cada estação. Eu estava hospedada perto da Kropotkinskaya, mas precisava localizar a Кропоткинская no mapa. Decore os primeiros símbolos e seja feliz (e reze para ficar perto da janela para ver o nome de cada estação).
Socialismo inexistente hoje. Sociedade consumista, vidrada em shopping, capitalismo, compras. Pop russo com cara de americano, mulheres lindas e bem vestidas – toda russa é gata, sério. Homens todos lembram o Zangief, do Street Fighter, mas compravam flores para suas damas para homenageá-las pelo início da primavera psicológica (com – 5ºC e neve, isso não é primavera nem fodendo). Os jovens falam inglês macarrônico, numa sociedade cada vez mais envelhecida e com crescimento populacional negativo.
Fui para ver socialismo, acabei presenciando a mudança de uma sociedade que rompeu o pacto do “deixa quieto” com o governo várzea formado após o fim da URSS – talvez algo mais histórico do que o próprio pós-socialismo. Participei de protesto, gritei “Rússia sem Putin”, vi a polícia fortemente armada chegando, as centenas de caminhões lotados de soldados de todas as partes do país, muitos que visitavam a tal “Moscou, capital do socialismo mundial” pela primeira vez na vida. Turistas, como eu.
Aliás, a vodca russa é sim maravilhosa, mais de 500% alcoólica, quase que leitosa e doce. E dá uma ressaca desgraçada.